Feminicí­dio no Brasil

Com uma taxa de 4,8 assassinatos em 100 mil mulheres, o Brasil está entre os países com maior índice de homicídios femininos: ocupa a quinta posição em um ranking de 83 nações, segundo dados do Mapa da Violência 2015 (Cebela/Flacso).

“Essa situação equivale a um estado de guerra civil permanente.”
Lourdes Bandeira, socióloga, pesquisadora e professora da Universidade de Brasília.

A realidade pode ser ainda pior do que o cenário expresso pelos números de assassinatos de mulheres levantados em algumas pesquisas de vitimização. Por falta de um tipo penal específico até pouco tempo, ou de protocolos que obriguem a clara designação do assassinato de uma mulher neste contexto discriminatório em grande parte da rede de Saúde ou da Segurança Pública, o feminicídio ainda conta com poucas estatísticas que apontem sua real dimensão no País.

Mapa da Violência 2015 (Cebela/Flacso) é uma referência sobre o tema e revelou que, entre 1980 e 2013, 106.093 brasileiras foram vítimas de assassinato. Somente em 2013, foram 4.762 assassinatos de mulheres registrados no Brasil – ou seja, aproximadamente 13 homicídios femininos diários.

Além de grave, esse número vem aumentando – de 2003 a 2013, o número de vítimas do sexo feminino cresceu de 3.937 para 4.762, ou seja, mais de 21% na década.

O Ipea também levantou dados sobre os homicídios de mulheres e produziu um mapa que revela quais são os Estados brasileiros onde mais se matam mulheres.

 

Feminicídio íntimo

Mapa da Violência 2015 (Cebela/Flacso) mostra ainda o peso da violência doméstica e familiar nas altas taxas de mortes violentas de mulheres. Dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013 no Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% destes casos, o crime foi praticado pelo parceiro ou ex. O estudo aponta ainda que a residência da vítima como local do assassinato aparece em 27,1% dos casos, o que indica que a casa é um local de alto risco de homicídio para as mulheres.

“O feminicídio íntimo é um contínuo de violência. Antes de ser assassinada a mulher já passou por todo o ciclo de violência, na maior parte das vezes, e já vinha sofrendo muito tempo antes. A maioria dos crimes ocorre quando a mulher quer deixar o relacionamento e o homem não aceita a sua não subserviência. Este é um problema muito sério.” Adriana Ramos de Mello, juíza titular do 1º Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Assim, diferentemente de outros países da América Latina, em que o homicídio associado à violência sexual por gangues ou desconhecidos é o mais preocupante, no Brasil, uma parcela significativa desses homicídios é praticada por alguém que manteve ou mantém uma relação de afeto com a vítima.

Se observarmos os dados disponíveis sobre os homicídios de mulheres, como o Mapa da Violência e o Dossiê Mulher do Rio de Janeiro, vamos ver que os crimes em família têm uma característica feminina. O número de mortes de mulheres por pessoas que não são da sua intimidade é bastante inferior ao dos homicídios praticados no espaço doméstico. Da mesma forma, a grande maioria das vítimas de estupro são mulheres e o peso da violência sexual contra as mulheres e meninas é mais alto no espaço familiar.”, Leila Linhares Barsted, advogada, diretora da ONG CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação e representante do Brasil no MESECVI – Mecanismo de Acompanhamento da Convenção de Belém do Pará da Organização dos Estados Americanos.

 

População avalia que risco de feminicídio é real

Segundo a pesquisa Violência e Assassinatos de Mulheres (Data Popular/Instituto Patrícia Galvão, 2013), 85% dos entrevistados acham que as mulheres que denunciam seus parceiros ou ex quando agredidas correm mais risco de serem assassinadas.

O silêncio, porém, tampouco é apontado como um caminho seguro: para 92%, quando as agressões contra a esposa/companheira ocorrem com frequência, podem terminar em assassinato. Ou seja, o risco de morte por violência doméstica pode ser iminente.

“De um lado as estatísticas do Brasil em relação ao resto da América Latina são terríveis, os números em si do Mapa da Violência já mostram essa gravidade. E a pesquisa Violência e Assassinatos de Mulheres (Data Popular/Instituto Patrícia Galvão, 2013) revela a percepção de naturalidade da população, mostrando que, para a maioria, o fim violento por homicídio é passível de acontecer correntemente. Se pensarmos na questão do valor da casa, do abrigo privado, da condição familiar como o espaço mais perigoso para as mulheres, o problema ultrapassa qualquer limite de aceitação. Ou seja, vai além de um grau de civilização, está no plano da barbárie, no qual o espaço privado esconde execuções e torturas.” Fátima Pacheco Jordão, socióloga e especialista em pesquisas de opinião.

 

Racismo e violência: homicídio de negras aumenta 54% em 10 anos

Mapa da Violência 2015 também mostra que a taxa de assassinatos de mulheres negras aumentou 54% em dez anos, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. Chama atenção também que no mesmo período o número de homicídios de mulheres brancas tenha diminuído 9,8%, caindo de 1.747, em 2003, para 1.576, em 2013.  

Evolução da taxa de homicídios de negras e brancas (por 100 mil) – Mapa da Violência 2015
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Impactos e importância da Lei de Feminicí­dio

“O primeiro passo para enfrentar o feminicídio é falar sobre ele.”,
Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil.

O principal ganho com a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015) é justamente tirar o problema da invisibilidade. Além da punição mais grave para os que cometerem o crime contra a vida, a tipificação é vista por especialistas como uma oportunidade para dimensionar a violência contra as mulheres no País, quando ela chega ao desfecho extremo do assassinato, permitindo, assim, o aprimoramento das políticas públicas para coibi-la e preveni-la.

“A tipificação em si não é uma medida de prevenção. Ela tem por objetivo nominar uma conduta existente que não é conhecida por este nome, ou seja, tirar da conceituação genérica do homicídio um tipo específico cometido contra as mulheres com forte conteúdo de gênero. A intenção é tirar esse crime da invisibilidade.”
Carmen Hein de Campos, advogada doutora em Ciências Criminais e consultora da CPMI-VCM.

Invisibilidade do contexto da violência

Um levantamento realizado no Distrito Federal em 2013 (Pesquisa Impacto dos Laudos Periciais no Julgamento de Homicídios de Mulheres em Contexto de Violência Doméstica ou Familiar no Distrito Federal (Anis/Senasp, 2013) revelou que nos Tribunais do Júri, onde são julgados os crimes contra a vida, os operadores de Justiça ainda aplicam pouco a Lei Maria da Penha nos casos de homicídio de mulheres: a menção expressa à Lei nº 11.340/2006 apareceu em apenas 33% das peças do processo de homicídio de mulheres, entre os anos de 2006 e 2011.

Esse resultado sugere que o contexto da violência sistêmica contra as mulheres, que está nas raízes de grande parte dos assassinatos, ainda é pouco reconhecido pelos operadores do Direito, o que acaba por interferir na aplicação da Justiça, pois a Lei Maria da Penha introduziu no Código Penal a violência contra a mulher como circunstância agravante de pena.

“O dado mais impressionante dos processos é a baixa aplicação da agravante prevista na Lei Maria da Penha nas condenações. No caso do homicídio, o sistema já falhou em proteger a mulher, o que restaria seria agravar a pena ou ao menos mencionar isso, mas nem simbolicamente o problema da violência de gênero aparece em muitos casos.”
Janaína Lima Penalva da Silva, pesquisadora e professora de Direito Constitucional na UnB, é integrante do Anis: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero e uma das coordenadoras da pesquisa realizada no DF.

 

“Quando dizemos que é preciso dar visibilidade às mortes em razão de gênero não estamos querendo dizer que esses crimes são os mais graves que acontecem no País e por isso precisam ser punidos de forma mais grave, mas mostrar que esses crimes têm características particulares, especificidades, que o feminicídio não acontece no mesmo contexto da insegurança urbana, mas afeta a mulher pela sua própria condição de existência.
E, se considerarmos que a maior parte dos casos acontece no contexto doméstico, familiar e afetivo, o homicídio se inscreve em uma conjuntura em que a violência é recorrente e se expressa de diferentes formas, o que faz com que a mulher possa passar a vida toda exposta a uma situação de violência e acabar morrendo. O que queremos enfatizar é a qualidade do crime, não sua gravidade pura e simples, para que ele possa ser punido e seja possível resolver esse sério problema.”
Wânia Pasinato, socióloga, pesquisadora e consultora da ONU Mulheres no Brasil. (Leia mais)

Três impactos importantes esperados com a tipificação penal

1) Trazer visibilidade: para conhecer melhor a dimensão e o contexto da violência mais extrema contra as mulheres.

2) Identificar entraves na aplicação da Lei Maria da Penha: para evitar ‘mortes anunciadas’. 

3) Ser instrumento para coibir a impunidade: refutar teses comuns – não só no Direito, mas em toda a sociedade, incluindo a imprensa – que colocam a culpa do crime em quem perdeu a vida.

 

Recomendação global

A preocupação em criar uma legislação específica no Brasil para punir e coibir o feminicídio segue uma tendência crescente entre organizações internacionais: órgãos da ONU discutem a criação de protocolos para investigar e enfrentar o problema, enquanto outros 15 países latino-americanos já criaram leis específicas ou com dispositivos para lidar com o assassinato de mulheres.

O debate sobre o feminicídio também marcou a 57ª Sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW) da ONU, realizada em Nova York em 2013, com a presença de representantes dos 45 países membros. No encontro, houve o reconhecimento internacional do crime de assassinato de mulheres relacionado à sua condição de gênero e, diante da constatação, foi recomendado o fortalecimento de legislações nacionais para lidar com o grave fenômeno.
A mesma recomendação é feita pelo Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher da ONU (CEDAW):

“O Comitê entende que é importante essa explicitação e se manifesta aos países com a recomendação de que realizem tipificações como essa, que são positivas por dar visibilidade ao feminicídio.”
Silvia Pimentel, advogada, professora da PUC-SP e integrante do Comitê CEDAW. 

Fonte: http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossies/violencia/violencias/feminicidio/

 

Dados os conceitos apresentados, redija um texto dissertativo-argumentativo, que esteja de acordo com a norma culta da Língua Portuguesa e envie-nos para correção.

Boa sorte!